O Ponto de Partida de Ancelotti
A expectativa que cercava a noite de 5 de junho de 2025 era palpável. Depois de um longo período de interinidade e especulação, a Seleção Brasileira finalmente iniciava um novo capítulo. Em Guayaquil, Carlo Ancelotti, um dos técnicos mais vitoriosos da história do futebol, fazia sua aguardada estreia no comando do Brasil. O adversário, um competitivo Equador, prometia ser um teste real para o início do trabalho. Ao final dos 90 minutos, no entanto, o placar de 0 a 0 no Estádio Monumental Isidro Romero Carbo refletiu com precisão o que se viu em campo: um time com novas ideias, mas ainda sem a engrenagem necessária para transformá-las em perigo real.
O empate sem gols na abertura das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026 serviu como um choque de realidade. A magia do nome de Ancelotti não seria suficiente, por si só, para resolver os problemas crônicos da equipe. O resultado deixou claro que a jornada para reconstruir a confiança e o futebol envolvente da Seleção será longa e exigirá paciência. Este foi apenas o primeiro passo, um ponto de partida que revelou mais sobre os desafios do que sobre as soluções.
O Contexto da Estreia: Fim da Espera e Início do Trabalho
A chegada de Carlo Ancelotti foi o clímax de um processo que se arrastou por mais de um ano, desde a eliminação na Copa do Mundo de 2022. O Brasil vivia um limbo técnico, e a aposta em um estrangeiro de renome mundial simbolizava uma tentativa de romper com velhos paradigmas. Ancelotti trazia na bagagem não apenas troféus, mas uma reputação de excelente gestor de grupo, capaz de extrair o melhor de grandes estrelas.
A expectativa, portanto, era de ver um time mais organizado taticamente e mentalmente mais forte. Contudo, a realidade do calendário sul-americano se impôs. O técnico italiano teve pouquíssimo tempo para trabalhar. Com apenas dois treinos com o grupo completo, seria impossível implementar uma revolução. A missão inicial era plantar as primeiras sementes de sua filosofia e observar a resposta dos jogadores em um ambiente de alta pressão como as Eliminatórias.
O cenário em Guayaquil era desafiador. Jogar contra o Equador fora de casa é uma das tarefas mais árduas do continente. Embora a partida não tenha sido na altitude de Quito, a seleção equatoriana, comandada pelo técnico Félix Sánchez Bas, é conhecida por sua intensidade física, velocidade e organização defensiva, especialmente diante de sua torcida.
Um Novo Desenho Tático: A Proposta de Ancelotti
Desde o apito inicial, ficou clara a intenção de Ancelotti de mudar a estrutura da equipe, principalmente no setor de meio-campo. O Brasil se postou em um esquema que variava, com a bola, para uma espécie de 4-2-2-2, com Casemiro e João Gomes (ou um meio-campista de perfil similar) mais recuados, e Lucas Paquetá e um segundo jogador criativo flutuando à frente deles, buscando conectar o jogo com a dupla de ataque formada por Vinícius Júnior e Richarlison.
A ideia era dar liberdade para Vini Jr. não ficar preso à ponta esquerda, permitindo que ele buscasse diagonais e se aproximasse da área como um segundo atacante. Em teoria, o desenho daria solidez defensiva com a dupla de volantes e, ao mesmo tempo, criaria superioridade numérica no corredor central.
Na prática, porém, a execução foi falha. O Equador respondeu com uma marcação por encaixe muito bem executada. Moisés Caicedo, um dos pilares do time, liderava a pressão no meio-campo, diminuindo o tempo de Paquetá para pensar as jogadas. O resultado foi um Brasil com muita posse de bola, mas pouca profundidade. O time trocava passes na intermediária defensiva, de um lado para o outro, sem conseguir encontrar o passe vertical que quebraria as linhas equatorianas.
A Crônica de um Jogo Travado e de Poucas Emoções
O primeiro tempo foi um retrato fiel dessa dificuldade. O Brasil controlou a posse, superando os 60%, mas essa superioridade não se traduziu em chances de gol. A primeira finalização brasileira veio apenas aos 22 minutos, em um chute de longa distância de Casemiro, que passou longe da meta defendida pelo goleiro Hernán Galíndez.
Vinícius Júnior, o jogador mais aguardado, era vigiado de perto por Ángelo Preciado e recebia poucas bolas em condição de desequilibrar. Richarlison, isolado entre os zagueiros, lutava mais do que jogava. O Equador, confortável em sua proposta, apostava em transições rápidas puxadas pelo jovem Kendry Páez, mas a defesa brasileira, bem postada com Militão e Marquinhos, conseguia neutralizar a maior parte das tentativas.
A segunda etapa começou com a mesma tônica. Vendo a falta de criatividade, Ancelotti buscou alternativas no banco de reservas. Rodrygo e Bruno Guimarães foram acionados para tentar dar mais dinâmica e qualidade ao passe final. Por um breve momento, o Brasil pareceu mais incisivo. Aos 18 minutos, em uma rara jogada bem trabalhada, Rodrygo tabelou com Paquetá e finalizou de dentro da área, mas a bola explodiu no zagueiro Félix Torres.
Foi o lance de maior perigo do Brasil em toda a partida. A partir dali, o Equador percebeu que poderia ousar um pouco mais. Enner Valencia, o experiente capitão, começou a dar trabalho para a zaga brasileira, forçando Alisson a fazer uma defesa segura em um chute cruzado aos 31 minutos.
Nos minutos finais, o jogo se arrastou. O cansaço e a frustração tomaram conta da equipe brasileira, que recorreu a cruzamentos infrutíferos para a área. O Equador se fechou ainda mais, satisfeito com o ponto conquistado. O apito final soou como um desfecho inevitável para uma partida em que a falta de inspiração superou a vontade.
Análise Final: Um Empate com Sabor de Advertência
O 0 a 0 em Guayaquil não é um resultado trágico, mas serve como uma advertência importante. A estreia de Ancelotti expôs que o caminho para transformar a Seleção Brasileira em uma equipe novamente temida será árduo. Os principais pontos a serem observados são claros.
Primeiramente, a dependência de lampejos individuais precisa ser substituída por um repertório coletivo mais robusto. O time não pode esperar que Vini Jr. ou Rodrygo resolvam sozinhos a cada partida. É preciso criar mecanismos e jogadas ensaiadas para furar defesas bem postadas, algo que faltou completamente contra o Equador.
Em segundo lugar, a adaptação ao novo esquema tático levará tempo. Os jogadores pareceram desconfortáveis em suas novas funções, e a falta de entrosamento resultou em uma equipe previsível e lenta. Ancelotti terá a missão de ajustar as peças e encontrar a formação que melhor potencialize as qualidades de seus atletas.
Por fim, o fator tempo é o principal atenuante. Com apenas dois treinos, seria irrealista esperar uma atuação de gala. O empate fora de casa em uma estreia de Eliminatórias não é motivo para pânico. É, na verdade, um diagnóstico preciso do estado atual da equipe e do trabalho que precisa ser feito.
A Era Ancelotti começou não com o brilho esperado, mas com a sobriedade de um desafio real. O primeiro ponto foi conquistado, mas a lição mais valiosa foi a clareza sobre o tamanho da missão que o italiano tem em mãos. A torcida brasileira precisará aliar a esperança à paciência, pois a construção de uma equipe campeã é um processo que não acontece da noite para o dia.
Por Marlus Pasinato – 06 de junho de 2025 – www.libertadores.com.br